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DO PASSADO AO PRESENTE: O MOVIMENTO NEGRO
NA IMPRENSA

Como o jornalismo negro nasceu e se estabeleceu como ferramenta de resistência, dando voz ao povo preto até hoje 

Foto: Bárbara de Souza Cabral

Bárbara de Souza Cabral

A imprensa desembarcou no Brasil em 1808, mais ou menos 270 anos após os primeiros negros terem sido sequestrados de África e chegarem em território brasileiro para serem escravizados. Desde então, a relação entre esta imprensa e a realidade não foi harmônica.

Para Jefferson Belarmino de Freitas, cientista social e Doutor em Sociologia pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio (UERJ) e pesquisador associado ao Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa (GEMAA/IESP.UERJ), uma vez que chegou no Brasil, a imprensa assumiu um papel bastante omisso com relação às questões raciais.

"A imprensa acompanha o que acontece na sociedade. Durante anos, os grandes veículos midiáticos propagavam a inexistência de racismo no Brasil, acompanhando a ideia de que teríamos no país um contexto racialmente democrático", afirma o pesquisador.

De acordo com ele, essa falta de comprometimento acerca da situação racial no Brasil ao longo dos anos quase alterou a forma com a qual o País era visto pelo resto do mundo. “No começo do século XX, por exemplo, negros estadunidenses chegaram a se interessar pelo caso brasileiro, pois recebiam notícias de que o racismo não teria lugar por aqui, sendo uma alternativa ao sistema segregacionista estadunidense. Os que se arriscaram a vir para cá logo viram que a realidade não era bem essa”, alegou o cientista social.

Jefferson Belarmino

"A imprensa acompanha o que acontece na sociedade. Durante anos, os grandes veículos midiáticos propagavam a inexistência de racismo no Brasil, acompanhando a ideia de que teríamos no país um contexto racialmente democrático."

“Eles combinaram de nos matar, mas nós combinamos de não morrer”. A frase da escritora Conceição Evaristo representa a motivação da comunidade negra não só durante os anos de escravidão, mas para além deles. Antes de os primeiros jornais negros surgirem já havia uma movimentação da população negra brasileira se unindo contra a escravidão e as injustiças que assolavam o país, como confirma Jefferson Belarmino. 

“Os negros no país sempre sentiram a necessidade de se manifestar contra a lógica dominante. Sobretudo aquela que ditava a inexistência do racismo em nossas terras. De um modo geral, desde a época da escravidão, os negros brasileiros nunca foram passivos”, diz o Doutor em Sociologia.

Jefferson Belarmino

Jefferson Belarmino

Mais de 300 anos depois de incessantes violências, perseguições e ausência de direitos, a suposta liberdade chegou em 1888, pelas mãos da princesa. Apesar disso, os quilombos formados ao longo dos anos para acolher e proteger a população negra permaneceram vivos e tomando novas formas, e com novas articulações. 

Após 25 anos da chegada da imprensa no Brasil, e após ensaios do uso da comunicação para auxílio de revoltas e organização política contra a escravidão e seus males, o Jornalismo negro começou a se consolidar clamando por um grito de liberdade, dando voz aos que foram calados desde que chegaram às novas terras. O projeto de não morrer continuava em vigor. 

"Uma parte dessa população, com mais acesso à educação em um país que impunha barreiras a isso entendeu que a imprensa alternativa era um modo efetivo de fazer circular as suas reivindicações", explica o  pesquisador associado ao GEMAA.

"Os negros no país sempre sentiram a necessidade de se manifestar contra a lógica dominante. Sobretudo aquela que ditava a inexistência do racismo em nossas terras. De um modo geral, desde a época da escravidão, os negros brasileiros nunca foram passivos."

Desde que o primeiro jornal negro foi criado, em 1933, o chamado  “Homem de Cor” ou “O Mulato” se estabeleceu como uma grande ferramenta de transformação e união da população negra no Brasil. Depois dele mais movimentações foram vistas em prol da luta racial, dos direitos e da liberdade da população negra que apesar da abolição, permaneciam presas a um sistema escravocrata e desigual.

E Brasil afora, como em um grito esperando, ou melhor, exigindo para ser ouvido, novos jornais foram surgindo. Alguns se destacaram, como no caso do jornal “O Clarim da Alvorada”, de 1924, que surgiu em São Paulo, mas que se espalhou pelo País sendo reconhecido como um dos mais importantes dentre os jornais negros. 

O jornal "A Voz da Raça”, de 1935, também marcou um período, já que foi um dos mecanismos usados pela Frente Negra Brasileira (FNB) para ampliar o alcance dos debates fomentados pela  instituição. 

Outro jornal negro de destaque foi o comandado por Abdias do Nascimento, articulador do Teatro Experimental do Negro (TEN). O jornal “Quilombo”, fundado em 1948, nasceu e se desenvolveu em prol da arte e cultura negra, além de levar o debate racial e articulações acerca da negritude para movimentar a luta por direitos desta população que ainda seguia, e ainda segue, afetada pelas sombras da escravidão

Jefferson Belarmino

"Uma parte dessa população, com mais acesso à educação em um país que impunha barreiras a isso entendeu que a imprensa alternativa era um modo efetivo de fazer circular as suas reivindicações."

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Imagem capturada durante o ato contra o genocídio negro em São Paulo (2014) - Foto: Mídia NINJA

Os veículos negros nos dias atuais 

Atualmente portais de notícias, mídias integradas, que trabalham com podcasts e audiovisual, voltadas para a temática racial e para o universo da cultura negra perpetuam o trabalho dos primeiros jornais negros e permanecem remando contra a maré, contra o sistema racista.  

O “Instituto da Mulher Negra”, mais conhecido como Geledés, foi fundado em 1988, e o que deveria ser apenas uma organização de apoio à população negra logo se firmou também como um portal de notícias online.

A revista “Raça Brasil” nasceu em 1996 mas permanece sendo referência, conquistando seu espaço no mundo virtual, com capas ainda impressas.

Já a “Revista Afirmativa” é de 2013, e também nasceu de um coletivo negro, com a união de jornalistas negros que denominam o projeto como “um veículo multimídia de mídia negra” e que carregam orgulhosamente o seguinte slogan: Somos nós, falando de nós, para todo mundo.

Há pouco tempo, mais veículos independentes negros foram surgindo, ganhando espaço principalmente nas redes sociais. Uma das grandes diferenças que estes jornais possuem em relação à imprensa negra dos séculos passados é o ecossistema digital na qual está inserida. O modelo de edição, de divulgação pelas redes sociais, de publicação e de linguagem mudaram também a relação do público com quem produz informação. 

É o caso do site “Mundo Negro” fundado em 2001, e que já acumula quase 430 mil seguidores em seu perfil no Instagram. O veículo fundado pela jornalista paulista Silvia Nascimento se destaca no meio da comunidade negra, com colaboradores, jornalistas e demais comunicadores negros e com notícias das mais diversas áreas de interesse dessa comunidade.

Já o “Alma Preta” começou sua trajetória em 2015 com a união de comunicadores negros que enxergavam a necessidade de uma produção jornalística que quebrasse com os padrões racistas, com a mensagem: “Jornalismo Preto Livre”, mostrando, de cara, o que se propõe. 

O “Notícia Preta”, criado em 2018 pela jornalista Thais Bernardes, também tem valores antirracistas importantes para a construção de uma sociedade mais justa. “Mudar a forma como nos comunicamos é a principal ferramenta na luta contra o racismo e as desigualdades”, o portal afirma.  

 

E, por fim, o site “Negrê”, lançado em 2020 por duas jornalistas negras e cearenses, Larissa Carvalho e Sara Sousa, mais direcionado à comunidade negra no Nordeste. Ele tomou forma bem quando os debates raciais aumentaram significativamente ao redor do mundo por meio dos protestos “black lives matter” no Brasil durante a pandemia da Covid-19.

Não só esses, mas diversos outros meios de comunicação com viés jornalístico foram preenchendo espaços que precisavam ser ocupados por pessoas negras e que nem sempre eram permitidos chegar.

A equipe da resistência 

Por trás dos jornais negros que se dispôem a dar voz à uma comunidade historica e estruturalmente silenciada, existe uma equipe que sem dedica a movimentar as engrenagens da resistência. Equipe esta composta por jornalistas negros que acreditam no poder e na importância que a imprensa negra tem na sociedade. 

 

A estudante de comunicação social, com ênfase em Jornalismo, Gabrielly Ferraz, de 21 anos, é uma das partes desta engrenagem. A futura jornalista já começou a exercitar sua escrita no site “Mundo Negro”, como colaboradora, e escrevendo sobre os mais variados assuntos. A descoberta da afinidade pela questão racial feita já durante a faculdade, ao se perceber uma das poucas pessoas negras na sala de aula, também despertou a motivação em fazer parte da imprensa negra.

 

“Tive a oportunidade de começar a escrever lá, e decidi que continuaria lá pois era onde eu me sentia completa, falando para pessoas negras”, conta a estudante, que completa falando sobre a sua experiência.

“Por mais que eu sempre tenha sido aquela menina negra, foi na faculdade que eu me entendi no mundo, porque as coisas aconteciam de forma diferente e eu não me via… foi ali que  percebi quem era. E aí, neste processo de consciência, além de querer me entender, eu queria tentar mudar [a realidade]. Então,  comecei a trazer essas questões para meus trabalhos acadêmicos, e depois, com o  trabalho no site, consegui falar para mais gente… e vendo o retorno do meu trabalho, isso vai ficando cada vez mais importante”, diz.

Gabrielly Ferraz

"Por mais que eu sempre tenha sido aquela menina negra, foi na faculdade que eu me entendi no mundo, porque as coisas aconteciam de forma diferente e eu não me via… foi ali que  percebi quem era. E aí, neste processo de consciência, além de querer me entender, eu queria tentar mudar [a realidade]. Então,  comecei a trazer essas questões para meus trabalhos acadêmicos, e depois, com o  trabalho no site, consegui falar para mais gente… e vendo o retorno do meu trabalho, isso vai ficando cada vez mais importante."

Gabrielly Ferraz

A estudante de jornalismo Gabrielly Ferraz, de 21 anos, não tem dúvidas quanto à importância do papel social da imprensa no combate ao racismo estrutural e desigualdades de nossa sociedade. “É muito importante porque as pessoas começam a abrir os olhos. Tem um impacto imensurável porque são crianças que conseguem entender as coisas de outra forma, são adultos que antes não entendiam e não ligavam e agora vêem de outra forma e dão a devida importância à nossa luta”, diz Gabrielly também no áudio abaixo. 

 

 

Mas nem sempre foi assim. A jovem estudante negra pensava em ocupar as grandes mídias, mas não se via, e ainda não se vê, tão representada. Mas com a internet e as mídias sociais, Gabrielly foi mudando de ideia, já que nesses espaços é possível ser mais livre, diferente dos veículos tradicionais, que ela acredita limitarem o trabalho do jornalista.    

“Quando fazemos parte da ‘grande mídia’ ou a ‘mídia comercial’, precisamos passar por um molde, passando a imagem que a emissora e esses veículos desejam. Eu não concordo com o discurso que eles adotam, a forma como eles mascaram certas situações e até omitem certos assuntos. Hoje, isso não faz mais sentido para mim”, explica a jovem.

A estudante de Jornalismo, em seu período trabalhando em um jornal negro, já percebeu a importância da presença da imprensa negra no ecossistema midiático, mas reconhece que seu alcance ainda é restrito, se comparado aos veículos mais “tradicionais”. Ela acha interessante quando uma pauta surge nos veículos negros e acaba, posteriormente, indo parar nos veículos maiores. Muitas vezes, sem o devido crédito. “FALA DELA”.

Além disso, algumas dificuldades aparecem no desenvolvimento do trabalho feito pela imprensa focada na cultura e comunidade afro-brasileira, que de acordo com a estudante Gabrielly Ferraz, recebe constantes questionamentos a respeito da integridade profissional e o trabalho jornalístico feito pelos veículos. Comentários indagando sobre as fontes acessadas, sobre a veracidade das informações e da notícia em si, são frequentes. 

Comentários que segundo ela, não são vistos nas publicações com o mesmo conteúdo, mas de veículos "maiores''. A falta de credibilidade coloca não só o veículo como os próprios profissionais em uma situação complicada e desagradável. A estudante Gabrielly Ferraz relata como se dá esse tipo de ataque. “Você acaba se questionando de certa forma porque são várias, milhares de pessoas te questionando o tempo inteiro”, explica ela. 

Mas apesar disso, Gabrielly segue na luta. A estudante de jornalismo, parte de um Jornalismo de resistência, pretende continuar trabalhando com Jornalismo negro futuramente. Ela conta o quanto o tempo escrevendo para um portal direcionado à população negra a transformou pessoal e profissionalmente. “Muita coisa que antes eu mesma não fazia ideia e não conseguia enxergar, passei a enxergar. Então é aquilo: criar consciência racial. Foi a importância que teve para mim.”

Com o jornalista Fernando Garcia dos Santos, mais conhecido na internet como Fernando Sagatiba, o processo foi semelhante ao de Gabrielly. O jornalista também não escolheu o Jornalismo negro assim de cara. Foi apenas depois da faculdade e a partir do aprofundamento dos seus estudos sobre raça, que Fernando foi se interessando pelo jornalismo negro. “Eu virei militante, mas já era jornalista”, explica ele.  

 

E foi por meio da  amizade com Silvia Nascimento, editora-chefe do site “Mundo Negro”, que Sagatiba passou a fazer parte do veículo. Os textos postados por ele em suas redes sociais e sites próprios, despertaram a atenção da jornalista, que prontamente o chamou para ser colaborador no veículo. 

O jornalista explica que a internet possibilitou e facilitou a difusão do conteúdo e também a produção do mesmo, olhando até mesmo pela logística da produção. “Fazer jornalismo impresso é muito custoso, mas no digital este custo é diferente, bem menor. Esta ‘facilidade’ tem ajudado a proliferação de muitos veículos. Acho legal a gente assumir para nós esse papel de protagonista”, diz Fernando. 

 

Apesar disso, o Jornalismo negro independente muitas vezes necessita de apoio financeiro para ser viabilizado. Sagatiba explica que com mais dinheiro certamente é possível fazer um trabalho melhor, mas que mesmo sem ele, não é impossível de produzir. “Eu vejo muito amigo aderindo, por exemplo, ao Youtube, para monetizar. Por enquanto a gente está experimentando ainda, então, vamos  aceitando o que tem”, ele conta. 

Questionado sobre como seria se mais pessoas negras Brasil afora passassem a consumir mais dos conteúdos jornalísticos negros, Fernando Sagatiba afirma que as mídias negras poderiam e deveriam chegar a mais pessoas. Ele alerta, no entanto, que isso, em nosso país, poderia não significar necessariamente uma real transformação social.

“Nós negros somos a maioria. Apesar disso, ainda há pouca consciência racial. A gente tem um caminho até conscientizar a população negra e tornar mais natural este debate. E só depois de conscientizar os nossos, podemos ter uma projeção de como seria a maior parte de nós consumindo Jornalismo preto”, conta.

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Fernando Sagatiba

"Nós negros somos a maioria. Apesar disso, ainda há pouca consciência racial. A gente tem um caminho até conscientizar a população negra e tornar mais natural este debate. E só depois de conscientizar os nossos, podemos ter uma projeção de como seria a maior parte de nós consumindo Jornalismo preto."

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Foto: Bárbara de Souza Cabral

E quem consome?

Em um Jornalismo feito para a comunidade negra, é importante entender essa comunidade. Apesar da ascensão do jornalismo negro brasileiro nos últimos anos, seu alcance com as redes sociais e a criação de mais portais negros, essa imprensa ainda não faz parte da vida de muitas pessoas. 

Mas no caso da estudante Camila Neves, de 19 anos,  foi um processo natural. As mídias negras simplesmente passaram a fazer sentido na realidade da jovem negra, moradora do Rio de Janeiro, no momento em que passou a se interessar mais sobre as questões raciais. 

“Comecei a me identificar com eles, como o que estavam falando e vi que aquilo estava me afetando de certa forma, só não entendia o porquê”, explica a estudante, que percebeu nesses veículos uma forma de compreender melhor não só a luta contra o racismo, como em fazer parte dela também.

“Os portais mais tradicionais acabam manipulando as notícias que envolvem questões raciais, sabe? Não se comprometem com o que acontece de verdade. Já a imprensa negra se compromete com a luta de forma a dar visibilidade os negros, aprofundando questões importantes, promovendo um debate maior,  mostrando os casos de verdade, mostrando as narrativas das pessoas”, diz.

Camila Neves

"Os portais mais tradicionais acabam manipulando as notícias que envolvem questões raciais, sabe? Não se comprometem com o que acontece de verdade. Já a imprensa negra se compromete com a luta de forma a dar visibilidade os negros, aprofundando questões importantes, promovendo um debate maior,  mostrando os casos de verdade, mostrando as narrativas das pessoas."

A jovem passou a se conhecer melhor desde que passou a acompanhar os conteúdos jornalísticos desses veículos especializados. Uma verdadeira transformação  também passa pela descoberta de se encontrar em uma comunidade, mesmo que virtual, bem semelhante  à sua. Para ela, é uma forma de unir a comunidade e torná-la mais forte.  

O mesmo pensa o estudante Gabriel Magalhães, de 20 anos. O jovem não deixa de consumir a imprensa tradicional, mas prefere consumir a imprensa negra por conta da identificação que sente com o conteúdo apresentado por ela.

“A comunidade que produz informações sobre negritude, e para a negritude especialmente, pensa muitas questões a partir dos mesmos dilemas que eu vivo, enquanto homem preto e da classe trabalhadora”, revela.

"A comunidade que produz informações sobre negritude, e para a negritude especialmente, pensa muitas questões a partir dos mesmos dilemas que eu vivo, enquanto homem preto e da classe trabalhadora."

Gabriel Magalhães

Gabriel considera os jornais pretos importantes para dar voz ao outro lado da história, e também acredita que eles representam uma forma de resistir aos demais discursos racistas dos portais tradicionais de notícia. “Os portais negros tanto representam a luta de profissionais pretos que estão conquistando voz , quanto apresentam uma perspectiva popular, e que reflete a realidade cotidiana de um ponto de vista do oprimido, num movimento de emancipação e resistência”, completa.

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Jornalistas Negros em Veículos Tradicionais

Apesar das movimentações da imprensa negra ao longo dos anos, a mesma não possui o mesmo poder de impacto que as mídias tradicionais. Isso leva muitos profissionais negros da comunicação a fazerem parte de jornais tradicionais, com mais alcance. A diversidade dentro das redações é importante para a manuntenção de diferentes olhares e mais respeito, mas nem todos os profissionais negros conseguem esse espaço.

Segundo dados do  Censo de Educação Superior INEP de 2016, negros e pardos são 40% dos estudantes de Jornalismo, mas uma pesquisa realizada pela Reuters Institute for the Study of Journalism, da Universidade de Oxford, mostrou que não existem jornalistas não-brancos ocupando os cargos mais altos nas redações brasileiras.

 

Em outra pesquisa chamada “Perfil do Jornalista Brasileiro” feita pelo  Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da UFSC, em convênio com a Federação Nacional dos Jornalistas – FENAJ, apenas 23% dos jornalistas são negros (5% negros e 18% pardos).

 

A situação é ainda mais preocupante em relação às colunas de grandes jornais. Mais de 70% dos colunistas e grandes veículos de comunicação (Folha, Globo e Estadão) são homens, e mais de 90% são brancos, de acordo com um estudo feito pelo Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA). Os bastidores influenciam diretamente na produção dos grandes veículos. E estes dados podem ser vistos e sentidos na prática.

 

A jovem jornalista Yasmin Santos, de 23 anos, é uma das que integraram o quadro de profissionais negros dentro de redações sem o viés racial. Graduada em Comunicação Social, com ênfase em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e com pós-graduação em Direitos Humanos, Responsabilidade Social e Cidadania Global na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), a jornalista já trabalhou na Revista Piauí e no Jornal Nexo. 

Segundo Yasmin, os primeiros anos de trabalho foram marcantes por não ver naquelas redações  muitas pessoas como ela. “Num desses lugares que trabalhei, era uma redação pequena e logo percebi que, além de mim, só havia outra pessoa negra lá. Semanas depois, descobri que, em mais de dez anos de publicação, eu havia sido a primeira mulher negra a ter sido contratada pela empresa e a segunda pessoa negra”, afirma a jornalista, que também fala sobre a ocupação dos maiores cargos nesses espaços.

“Nunca houve nenhum chefe negro, e eu mesma nunca tive um chefe negro em nenhuma outra redação por que passei. Esse choque moldou a profissional que sou, assim como os embates travados ao longo da faculdade”, diz Yasmin Santos

"Nunca houve nenhum chefe negro, e eu mesma nunca tive um chefe negro em nenhuma outra redação por que passei. Esse choque moldou a profissional que sou, assim como os embates travados ao longo da faculdade."

Yasmin Santos

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Por perceber a questão racial com muita frequência, Yasmin admite ter tido dificuldades de se enxergar enquanto jornalista uma vez que, a princípio, esse tipo de posicionamento é visto como um ataque ao princípio básico da imparcialidade jornalística. “Eu escolhi cursar Jornalismo justamente porque acreditava que essa era uma profissão em que poderia lutar pela garantia de direitos das pessoas. Entendia, de certa forma, o Jornalismo como um lugar essencial para o exercício pleno da cidadania.”

Com o passar do tempo a jornalista, que em 2021 recebeu o prêmio Maria Felipa, concedido pela Câmara Municipal de Salvador a profissionais atuantes no fortalecimento de políticas públicas para mulheres, passou a questionar os tais princípios ainda fortemente difundidos, no meio profissional, as atitudes dos comunicadores e a estrutura ali montada.

“Na minha concepção, não existe uma imparcialidade pura em nenhuma área e a dita objetividade jornalística foi concebida a partir de uma lógica iluminista e positivista, logo, concebida por homens brancos europeus há séculos. Afinal, que imparcialidade é essa que classifica jovens negros como traficantes e jovens brancos como estudantes? E o próprio Código de Ética brasileiro da profissão estabelece que todo jornalista deve se opor ao arbítrio, ao autoritarismo e a todo e qualquer tipo de opressão, além de defender a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Não sou eu, portanto, que sou antiprofissional”, diz.

"Na minha concepção, não existe uma imparcialidade pura em nenhuma área e a dita objetividade jornalística foi concebida a partir de uma lógica iluminista e positivista, logo, concebida por homens brancos europeus há séculos. Afinal, que imparcialidade é essa que classifica jovens negros como traficantes e jovens brancos como estudantes? E o próprio Código de Ética brasileiro da profissão estabelece que todo jornalista deve se opor ao arbítrio, ao autoritarismo e a todo e qualquer tipo de opressão, além de defender a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Não sou eu, portanto, que sou antiprofissional."

Yasmin Santos

Com o tempo trabalhando em redações de veículos tradicionais, Yasmin diz ter se indignado com a cobertura tradicional muitas vezes, apesar dos recentes avanços. Mas mais do que o racismo por trás das manchetes, o racismo que antecede a própria publicação pode ser mais doloroso para o corpo preto que ali se encontra.

A jornalista diz que nunca sofreu uma ofensa racial no ambiente de trabalho, e que se incomoda mais com o racismo que é menos escancarado, mas não menos agressivo. Como por exemplo a relutância em dar destaque às pautas que dizem respeito à população negra.

“Quando se escolhe o que é ou não notícia, se escolhe o que merece ser visto,  e dito. É decidida ali a existência e a notoriedade de algo. Percebi, muitas vezes, que a minha existência e a dos meus não parecia ter a menor importância para muitos de meus colegas de profissão. Por isso, comprei muita briga. Mas também tive que engolir muito sapo”, desabafa.

Yasmin Santos

"Quando se escolhe o que é ou não notícia, se escolhe o que merece ser visto,  e dito. É decidida ali a existência e a notoriedade de algo. Percebi, muitas vezes, que a minha existência e a dos meus não parecia ter a menor importância para muitos de meus colegas de profissão. Por isso, comprei muita briga. Mas também tive que engolir muito sapo."

Apesar de tantas dificuldades enfrentadas neste ambiente, como em qualquer outro em que haja mais pessoas brancas do que negras, a presença de pessoas negras carrega uma bagagem e uma história, assim como uma grande pressão por conta do racismo, para não errar nunca. Pressão essa que aumenta quando se trata do jornalista negro.

“Como se isso não bastasse, estamos falando de jornalistas negros, profissionais que atuam num espaço entendido por Foucault, por exemplo, como o “quarto poder”. Um lugar que, a partir de critérios altamente subjetivos, pauta a sociedade, que não só noticia o fato como o antecede. Quando foi dado a pessoas negras tanto poder? A vontade é de mudar o mundo. Mas não somos nós que damos a palavra final nas redações”, explica Yasmin.

Mas ela também escolheu encarar seu lugar nesses espaços com menos tensão, entendendo que o compromisso com o antirracismo não deve ser apenas dos profissionais negros, mas sim de todo e qualquer jornalista. Para Yasmin, é importante que jornalistas brancos se conscientizem para que este peso seja retirado dos jornalistas negros. 

“Quando sentava para escrever um texto, eu sofria muito. Eu sentia todo esse peso, e, muitas vezes, ele era paralisante. Profissionais brancos, em sua maioria, não fazem a mínima ideia do que é isso. Com o tempo, no entanto, tentei me desvencilhar dessa ideia de peso e pensar que é uma responsabilidade”, explicou.

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Foto: Bárbara de Souza Cabral

Jornalismo negro: impactos e perspectivas 

A existência dos jornais feitos por e para a comunidade afro-brasileira constroem seu impacto na comunidade para a qual conversa, por conta também do impacto que advém do consumo excessivo e quase exclusivo de veículos tradicionais descomprometidos com este grupo.

Sendo assim, a  psicóloga e terapeuta Grasiele Gomes da Silva  afirma que psicologicamente esse impacto é massivo justamente por essa população não ter condições de evitar o consumo desses veículos. E com a naturalização do racismo no Brasil, a visão do indivíduo preto sobre si próprio, também é afetada.

“A população preta se acostuma a estar dentro desse estereótipo fundamentado pelo racismo estrutural, e a gente começa a acreditar no que a gente vê escuta com muita frequência. Aquilo acaba criando para gente uma noção de realidade, mesmo não sendo realidade”, explica a psicóloga.

O pesquisador Jefferson Belarmino de Freitas não acredita que os jornais negros sejam capazes de mudar a estrura racial do país, mas são acapazes de mudar o olhar deste indivíduo sobre si e sobre os seus semelhantes. “Narrativas que ultrapassem os interesses imediatos dos grandes jornais possuem, pelo menos em alguma medida, um poder transformador”, diz ele.

A psicóloga reforça que este indivíduo passa a se ver como igual, de forma positiva. “Isso coloca a população preta num local de visibilidade, e em um lugar de se sentir recebendo, sendo acolhida. Então, esse cuidado tem toda diferença”, afirma ela no áudio abaixo.

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Mas esse impacto não chega a todos. Grasiele Gomes trabalha há oito anos em uma unidade do DEGASE no Rio de Janeiro e percebe em seus pacientes, sendo eles muitas mulheres negras, uma dificuldade de acesso à internet e redes sociais, que são os lugares em que esta imprensa se apresenta majoritariamente. Para ela, a imprensa hoje está começando um trabalho que ela considera importante, mas que precisa caminhar mais. 

“Às vezes eu me sinto insuficiente em não conseguir alcançar essas mulheres que não têm acesso às redes sociais. Penso que os trabalhos na comunidade são muito importantes, de ONG, associações de moradores… A gente precisa, pelo menos inicialmente, se aproximar fisicamente dessas mulheres para poder garantir o direito delas à informação”, diz Grasiele.

 

Mas em seus pacientes que têm acesso aos meios de comunicação pretos, a psicóloga percebe um impacto positivo. “Elas falam sobre como é importante elas se verem representadas, e de como têm acesso a certas informações que, às vezes, a mídia tradicional não propaga”, conta.

Grasiele Gomes

"Elas falam sobre como é importante elas se verem representadas, e de como têm acesso a certas informações que, às vezes, a mídia tradicional não propaga."

Sob o olhar jornalístico, Yasmin Santos acredita que os jornais negros são espaços de empoderamento que também ajudam a pressionar a imprensa tradicional a repensar sua cobertura. Além disso, garante que a mensagem passada por eles humanize pessoas negras. 

 

“É importante para que nós mesmos possamos nos empoderar pessoal e politicamente, para que possamos nos sentir seguros, acolhidos, representados, para pertencer, de alguma forma, a esse território”, afirma Yasmin. 

Perguntando aos demais jornalistas negros que atuam tanto na imprensa negra quanto na tradicional, cada um possui sua própria definição sobre a imprensa negra. Para Yasmin Santos ela é inovadora, porém ainda precisa se atentar às diversidades da própria comunidade. Para Gabrielly, ela é promissora e impacta o país. Para Fernando Sagatiba, a imprensa negra possui um viés de identidade de grupo e de união do povo negro. 

Para mim, Bárbara Souza, jornalista negra, a potência que a imprensa preta tem é inspiradora, sendo mais um movimento de resistência. Dela são vistas muitas possibilidades de pautas, narrativas e vozes que acompanham a imensidão da população negra no Brasil.

Considero que esta imprensa ainda tem muito por crescer e melhorar, afinal, a imprensa que acompanhamos hoje tem pouco tempo de trabalho, mas isso só significa que ainda há espaço para mais transformações e mais impactos positivos. É importante reconhecer que as tentativas é que são responsáveis pelas mudanças, e que os ajustes são sempre necessários.

A característica de comunidade que existe nesses jornais de troca com o leitor, ao meu ver, é o verdadeiro diferencial nesses veículos. O aquilombamento e a união são a melhor forma de luta contra a desigualdade racial, a difusão de informação direcionada e da busca por direitos.

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Como mulher preta, a questão racial sempre me atravessou antes mesmo que eu pudesse entendê-la. Com o passar do tempo, compreender as violências pelas quais eu passava e via outras pessoas negras passando foi se tornando uma necessidade. Sobrevivência. E levar essas descobertas e indagações para os outros, é uma missão. 

Esse trabalho, antes de tudo, também significa um processo de autodescoberta. Uma pesquisa sobre os que me antecederam e sobre os que hoje continuam firmes nessa trajetória. Durante o processo percebi o espaço que há dentro do Jornalismo para imprimir a minha própria história, uma vez que ela também pertence a outras pessoas.

Sinto que este projeto pode me mostrar os possíveis caminhos que pretendo seguir no universo da comunicação, e como pretendo atuar como futura jornalista e cidadã preta neste país.

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Trabalho de Conclusão de Curso realizado no semestre de 2021.2 do Curso de Jornalismo da Universidade Veiga de Almeida (UVA).

Projeto de Bárbara de Souza Cabral

Professora Daniela Oliveira 

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